Foram precisos quase três anos e quatro milhões de euros, para 'descascar' o velhinho Cine-Teatro Louletano e dar-lhe nova vida. Ontem, foi reinaugurado ao som do trio de Mário Laginha, que tem raízes... em Loulé.
"A minha mãe é de Loulé, depois foi para Lisboa estudar para a universidade e eu já nasci lá, mas ainda tenho aqui família e sinto-me em casa", desabafa Mário Laginha, antes do concerto em que, acompanhado por Bernardo Moreira no contrabaixo e Alexandre Frazão na bateria, desconstruirá por completo parte do reportório de Chopin.
"Mongrel", o seu último álbum, veste a música clássica em tons quentes e por vezes frenéticos de jazz e encheu de som uma sala cheia de gente - lotação estava esgotada - interessada em cultura ou tão somente em conhecer o novo espaço da cidade (ver vídeo).
O projecto obrigou à destruição quase total do interior do edifício (apenas as paredes da sala de espetáculo restaram), mas manteve não só a fachada histórica como as linhas dos balcões e da plateia originais, inaugurados pela primeira vez a 19 de Abril de 1930.
Joaquim Laginha, de 84 anos e ainda primo do pianista Mário, recorda-se desse dia, tinha ele sete anos. "Veio gente de toda a cidade, lembro-me de vir com o meu pai e os meus irmãos, viemos assistir a uma sessão de cinema. Nunca mais me esqueço, porque tive nesse dia uma dor de dentes tão grande que tive de sair e já não vi o filme até ao fim", lembra.
Edifício era património que importava preservar, diz autarquia
O interior do edifício - mobiliário, equipamento de som e luz, escadarias, foyer, mecânica de cena - foi totalmente alterado para corresponder às necessidades atuais das artes do espetáculo. "O outro teatro já não tinha condições, nós tentámos aguentá-lo o mais possível, mas era frio no inverno e quente no verão, se passasse uma mota na rua ouvia-se dentro da sala", recorda Joaquim Guerreiro, vereador da Cultura da Câmara de Loulé.
O edifício foi adquirido em 2003 num processo difícil, dado que o Cine-Teatro Louletano pertencia à Sociedade Teatral Louletana, constituída nos anos 1920 por nove ilustres louletanos. Na altura, o capital somou 180 contos, para dar início aos trabalhos. Quase 100 anos depois, a recuperação do imóvel teve um custo global de perto de quatro milhões de euros, em parte financiados com verbas do QREN e também do Turismo de Portugal (verbas do jogo). A opção saiu mais cara do que demolir tudo e fazer de novo, mas Seruca Emídio, presidente da Câmara de Loulé, diz que as contas não podem ser feitas assim.
"Este edifício tem uma história de 80 anos, com muitas vicissitudes e naquele tempo foi um esforço coletivo de uma comunidade, que não tem preço", afirma ao Expresso. "Se nós fôssemos deitar isto abaixo, como aconteceu em muitas cidades, e construir um prédio com vários andares, como aconteceu aqui mesmo ao lado, em termos financeiros poderia ser mais vantajoso mas para uma comunidade, para o seu bem-estar, para a sua identidade, seria certamente uma fatura muito grande a pagar", conclui.
A sala tem capacidade para 314 pessoas e acolherá doravante espetáculos de música, dança e teatro, bem como de cinema. O Cine-Teatro Louletano mantém a antiga máquina de projeção de películas, a par agora de um novo projetor digital.
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